
«Tenho de ir para casa», pensava ele, mas não lhe apetecia nada ir-se embora. E, enquanto assim estava deitado, com a cara encostada às algas, aconteceu de repente uma coisa extraordinária: ouviu uma gargalhada muito esquisita, parecia um pouco uma gargalhada de ópera dada por uma voz de «baixo»: depois ouviu uma segunda ainda mais esquisita, uma gargalhada pequenina, seca, que parecia uma tosse; em seguida uma terceira gargalhada, que era como se alguém dentro de água fizesse «glu», «glu». Mas o mais extraordinário de tudo foi a quarta gargalhada: era como uma gargalhada humana, mas muito mais pequenina, muito mais fina e muito mais clara. Ele nunca tinha ouvido uma voz tão clara: era como se a água ou o vidro se rissem.
Com muito cuidado para não fazer barulho levantou-se e pôs-se a espreitar escondido entre duas pedras. E viu um grande polvo a rir, um caranguejo a rir, um peixe a rir e uma menina, que devia medir um palmo e meio de altura, tinha os cabelos verdes, olhos roxos e um vestido feito de algas encarnadas. e estavam os quatro numa poça de água muito limpa e transparente toda rodeada de anémonas. E nadavam e riam.
- Oh!Oh!Oh! - ria o polvo.
- Que!Que!Que! - ria o caranguejo.
- Glu!Glu!Glu! - ria o peixe.
- Ah!Ah!Ah! - ria a menina.
Depois pararam de rir e a menina disse:
- Agora quero dançar.
Então num instante, o polvo, o caranguejo e o peixe transformaram-se numa orquestra.
O peixe, com as suas barbatanas, batia palmas na água.
O caranguejo subiu para uma rocha e com as tenazes começou a tocar castanholas. O polvo trepou para cima dos rochedos e esticando muito sete dos seus oito braços prendeu-os pelas pontas com as suas ventosas na pedra e, com o braço que tinha ficado livre, começou a tocar guitarra nos seus sete braços. Depois pôs-se a cantar.
Então a menina saiu da água, subiu para uma rocha e principiou a dançar. E a água junto aos seus pés ia e vinha e bailava também.
Escondido, atrás do rochedo, o rapaz, imóvel e calado, olhava.
[...]
Hoje, apesar de toda a gente achar que não ia estar tempo para praia, lá fui eu até Leça.
Afinal, ontem ao deitar o Luis tinha-lhe lido mais uma vez este excerto e prometi-lhe que hoje iríamos à procura da menina do mar.
E la fomos nós para a praia não sem antes tomarmos um café e um gelado com direito a surpresa das boas.
Esteve um dia maravilhoso pois a praia estava calma apesar de as nuvens aparentarem mau tempo, temperatura amena, àgua deliciosa (foram vários os banhos tomados por mim e pelo Luis) e ainda estivemos a fazer piscinas e numa rocha a ver se encontravamos a menina do mar, o polvo, o caranguejo e o peixe mas não tivemos muita sorte :P
Estivemos lá calmamente até que o tempo começou a mudar rapidamente e lá tivemos de vir apesar dos veementes protestos do Luis.
Há momentos assim, quase perfeitos onde são as simples coisas que nos dão mais prazer. Pena que muitas vezes o dia-a dia nos faça não aproveitar melhor os pequenos grandes prazeres que a vida nos proporciona.
O dia de hoje será daqueles que por vários motivos me ficará gravado na memória...