17/04/2008

Sophia e o Jardim Botânico do Porto...

A quinta do Campo Alegre até 1759 foi propriedade da Ordem de Cristo, depois foi adquirida por um médico francês (Jean Pierre Salabert) e, por volta de 1875, é comprado por João da Silva Monteiro, um emigrante chegado do Brasil que manda demolir a casa antiga, construir outra e definir a estrutura do jardim. Em 1895 João Henrique Andresen, avô de Sophia de Mello-Breyner Andresen, adquire a Quinta . Será este comerciante de Vinho do Porto que recupera os jardins, impondo o estilo romântico dominante na época. Em 1949 é comprada pelo estado e passa a denominar-se Jardim botânico do Porto. Este belo espaço, votado ao esquecimento e por vezes um pouco mal tratado por falta de verbas, foi reaberto no ano passado e vale a pena ser visitado.
Sophia de Mello Breyner Andressen passou grande parte da sua infância e juventude neste "território fabuloso" como lhe chamaria anos mais tarde a autora.
Nas décadas de 40 e 50 tendo ficado com os filhos em casa por causa do sarampo, e não gostando da literatura infantil da época que segundo palavras suas "Mandei comprar alguns livros que tentei ler em voz alta. Mas não suportei a pieguice da linguagem nem a sentimentalidade da “mensagem”: uma criança é uma criança, não é um pateta. Atirei os livros fora e resolvi inventar. Procurei a memória daquilo que tinha fascinado a minha própria infância. (...) Nas minhas histórias para crianças quase tudo é escrito a partir dos lugares da minha infância.» (in Soares (org.), 1986: 19)..


E é nestas obras,como por exemplo "O rapaz de Bronze", "A floresta" ou "A Noite de natal" onde se vê a influência que teve a sua infância e juventude passadas da Quinta do Campo Alegre. Depois de lidas e passeando nos jardins, facilmente conseguimos entrar nos contos como se fôssemos parte interveniente dos mesmos.

Fica aqui um breve excerto de "A Floresta":

"Era uma vez uma quinta toda cercada de muros.Tinha arvoredos maravilhosos e antigos, lagos, fontes, jardins, pomares, bosques, campos e um grande parque seguido por um pinhal que avançava quase até ao mar.A quinta ficava nos arredores de uma cidade. O seu pesado portão era de ferro forjado pintado de verde. Quem entrava via logo uma grande casa rodeada por tílias altíssimas cujas folhas, dum lado verdes e do outro quase brancas, palpitavam na brisa.Era nessa casa que morava Isabel.Isabel nesse tempo tinha onze anos e por isso ia todos os dias da semana ao colégio, baloiçando a sua pasta cheia de livros ora numa mão ora na outra.Mas às quatro horas voltava para casa, lanchava a correr e saía para a quinta.Isabel não tinha irmãos e por isso sabia brincar sozinha e conversar com as árvores, com as pedras e com as flores.Todos os dias ela percorria a quinta. No Outono apanhava castanhas esmagando com o pé os ouriços verdes. No Inverno colhia violetas e camélias. Na Primavera trepava às cerejeiras para comer as primeiras cerejas doces, escuras e vermelhas. E também subia às árvores onde todos os anos havia ninhos, ninhos redondos feitos de ervas, folhas secas e penas e que tinham lá dentro quatro ovos verdes sarapintados de castanho. Caminhava por entre o trigo que era como um doce mar, aéreo e leve. Às vezes passava horas a ler sob o caramanchão onde as flores lilases das glicínias pendiam em grandes cachos perfumados rodeados de abelhas. Ou caminhava devagar na luz verde do parque escutando o rumor das altas copas dos plátanos. E conhecia o lugar onde, escondidos entre as ervas e folhas, cresciam os morangos selvagens.Em geral Isabel brincava sozinha. Mas às vezes passeava com o velho jardineiro chamado Tomé que era seu grande amigo. Tomé ensinava-lhe os nomes das árvores e das flores e Isabel ajudava-o a regar e a arrancar ervas más. E também com Tomé ela ia aos sítios onde não podia ir só. Pois a porta da estufa, a porta do galinheiro e a porta da adega estavam sempre fechadas à chave. Na estufa enorme, sob o telhado de vidro caiado, o ar era húmido e quente. Aí cresciam as avencas maravilhosas, finas e leves, as begónias roxas, as orquídeas verdes e sarapintadas com o seu ar de bichos venenosos, e outras plantas e flores que tinham nomes esquisitos escritos numa placa de alumínio atada aos seus pés com ráfia.No galinheiro Isabel distribuía o milho e logo uma multidão de galinhas a cercava cacarejando. Então ela gritava «Peru velho». E o peru logo respondia inchando todas as penas: «Glu, glu, glu». E havia sempre uma nova ninhada de pintos amarelos e castanhos. Isabel apanhava-os do chão com muito cuidado, rodeando com as duas mãos o leva calor das suas penas onde palpitava um pequeno coração rápido e aflito."

É um local onde a imaginação me leva a sonhar ser uma princesa do norte...

Vale a pena perderem, ou melhor investirem uns minutos e irem aqui ver os álbuns de fotos .
Fontes :
aqui, aqui e aqui

Porque ...hoje é o dia da botânica!

17 comentários:

Patti disse...

Já visitei o teu link e fiz mais do que isso. Guardei nos meus favoritos.

A Beatriz adora as histórias da Sophia, tem todos os livros e logo já lhe vou mostrar o jardim onde ela se inspirou para escrever histórias lindas como o Rapaz de Bronze.

Obrigada.

Maria P. disse...

Que belíssima sugestão...

:)Bom dia*

GP disse...

Hoje não tenho paciência para ler este texto. Tenho dias assim. Vou elaborar uns testes e hei-de voltar para ler com calma.

Deixo um beijinho

KNOPPIX disse...

Querida Ka, conheço muito bem a obra da Sophia e foi uma excelente escolha reler este texto com que nos presenteaste :)))))

O Jardim Botânico é lindo e merece uma visita, foi uma excelente sugestão.

Beijocas e mais uma barrica de ovos moles para ti :P

Meg disse...

Aos amigos comunico que, inesperadamente,
fui obrigada a mudar de residência.
Peço desculpa pela forma como o faço
mas trata-se de uma emergência
espero seja a última.

Aproveito para mandar um abraço do
vosso Amigo Romério para todos


E a Meg espera-vos aqui a partir de agora

http://recalcitrantemor.blogspot.com/

paulofski disse...

O Jardim Botânico é um lugar de referência na nossa cidade e na vida e obra de Sophia de Mello Breyner Andresen. Foi recentemente renovado, no entanto um grande problema ainda está por resolver que é o ruído constante da Via de Cintura Interna (VCI). Como em outros locais, ali são necessárias barreiras acústicas, pois um jardim é um local natural e de silêncio.

Obrigado pelo tema.

Beijinhos

Olá!! disse...

Lindo, tudo... o jardim, os livros de SMBA...
Beijossssssssssssss

Ka disse...

Patti,

Estes livros deveriam ser de leitura obrigatória.

O link vale a pena até por outros locais que lá estão.

Beijinho

Ka disse...

Maria,

Seria um local que gostarias de certeza :)


Beijoca

Ka disse...

Graça,

Quano e se te apetecer :)))

Beijinho

Ka disse...

Knoppix,

É bom para levermos os rebentos não é?

Beijinhos e obrigada por mais esta barrica virtual!!!

Ka disse...

Luís,

Vale pois!! Será um sítio onde poderias tirar belissímas fotos :)

Beijinho

Ka disse...

Maeg,

Durante o fim-de-semana já passarei no teu novo canto :)

Beijinho

Ka disse...

Paulo,

Sem dúvida mas ao fim-de-semana não se sente muito e ainda bem...

Quanto às barreiras acústicas eu já nem digo nada :S

Beijinho

Ka disse...

Olá,


Obrigada :)

Beijinhos

Paulo Tomás Neves disse...

confesso que já passei milhares de vezes à porta do jardim e que nunca entrei (mesmo com a casa das artes perto, mesmo já tendo inúmeras vezes lanchado no café em frente, mesmo visitando um colega e amigo, quase em frente) uma vergonha :-(

Ka disse...

Paulo,

Eu também ao longo de anos passava e poucas vezes entrei. Mas vale a pena visitar.

Quanto à confeitaria botânica quem sabe se já não lanchamos lado a lado. Faz tempo que não vou lá mas houve uma altura em que era hábito.

Beijinho

ps - Nem pergunto quem é o amigo quase em frente pois às tantas é tb meu conhecido